quinta-feira, 12 de julho de 2012

HABEAS CORPUS EM FORMA DE POESIA


  Conta-se que, em 1955, na cidade de Campina Grande, interior da Paraíba, um grupo de boêmios fazia uma serenata numa bela madrugada de junho, quando foi surpreendido pela Polícia que a interrompeu e apreendeu o sonoro violão. 
  Decepcionado e emudecido, o grupo de seresteiros recorreu ao advogado Ronaldo Cunha Lima, recém formado, que também era grande apreciador de serestas, para que peticionasse em Juízo solicitando a liberação do instrumento (violão). 
  A petição ficou conhecida no meio forense como “Habeas Pinho” e hoje uma cópia dela enfeita muitas paredes, muitos escritórios, bares e casas do Nordeste. O então advogado Ronaldo Cunha Lima, porém, abraçou a vida pública, tendo se tornado anos depois Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador, Governador do Estado e Deputado Federal. Lamentavelmente, o causídico poeta veio a falecer no último sábado, dia 07 de julho de 2012, aos 76 anos de idade.

Eis o teor da famosa petição:

"Exmo. Sr. Dr. Artur Moura,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,

O instrumento do crime que se arrola,
Neste processo de contravenção,
Não é faca, revólver, nem pistola,
É, simplesmente, Doutor, um violão!
Um violão, Doutor, que na verdade,
Não matou, nem feriu um cidadão,
Feriu, sim, a sensibilidade,
De quem o ouviu vibrar na solidão!
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade,
Ao crime ele nunca se mistura,
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando suas próprias dores!
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza, é néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração!
Seu viver é como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino se perpetua,
Ele nasceu para cantar na rua,
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte sentir o terno açoite,
De suas cordas leves e sonoras!
Libere o violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enche o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando ali as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento,
Juntando esta petição aos autos nós pedimos,
E pedimos também deferimento.

Assinado:
Ronaldo Cunha Lima, advogado."

O Juiz, por sua vez, despachou da seguinte forma:

"Recebo a petição escrita em verso,
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende no Cartório um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo em sombra imerso,
É desumana e vil destruição,
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que desoras,
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso o que lhe fiz,
Noite de lua, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz."


(Fonte: Diário do Senado - 09.07.2012, pg. 33233)

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