Política
O Estado do medo
Por Marco Antonio Villa, O Globo - 26.12.12
Em meio ao
processo do mensalão, as diversas operações da Polícia Federal ou a
turbulenta relação entre os poderes da República, o Brasil esqueceu do
Maranhão.
Na fase final da guerra contra Canudos, em 1897, os
oficiais militares costumavam dizer que não viam a hora de voltar para o
Brasil. Quem hoje visita o Maranhão fica com a mesma impressão.
É
um estado onde o medo está em cada esquina, onde as leis da República
são desprezadas. Lá tudo depende de um sobrenome: Sarney. Os três
poderes são controlados pela família do, como diria Euclides da Cunha,
senhor do baraço e do cutelo.
A relação incestuosa dos poderes é
considerada como algo absolutamente natural. Tanto que, em 2009, o
Tribunal Regional Eleitoral anulou a eleição para o governo estadual. O
vencedor foi Jackson Lago, adversário figadal da oligarquia mais nefasta
da história do Brasil.
O donatário da capitania - lá ainda se
mantém informalmente o regime adotado em 1534 por D. João III - ficou
indignado com o resultado das urnas. A eleição acabou anulada pelo TRE,
que tinha como vice-presidente (depois assumiu a presidência) a tia da
beneficiária, Roseana Sarney.
No estado onde o coronel tudo pode, a
Constituição Federal é só um enfeite. Lá, diversos artigos que vigoram
em todo o Brasil, são considerados nulos, pela jurisprudência da
famiglia.
O artigo 37 da nossa Constituição, tanto no caput como
no §1º, é muito claro. Reza que a administração pública "obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência" e "a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo
ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou
imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores
públicos".
Contudo, a Constituição maranhense, no artigo 19, XXI, §
9º determina que "é proibida a denominação de obras e logradouros
públicos com o nome de pessoas vivas, excetuando-se da aplicação deste
dispositivo as pessoas vivas consagradas notória e internacionalmente
como ilustres ou que tenham prestado relevantes serviços à comunidade na
qual está localizada a obra ou logradouro".
Note, leitor,
especialmente a seguinte passagem: "excetuando-se da aplicação deste
dispositivo as pessoas vivas e consagradas notória e internacionalmente
como ilustres".
Nem preciso dizer quem é o "mais ilustre" daquele
estado - e que o provincianismo e o mandonismo imaginam que tenha
"consagração internacional."
Contudo, a redação original do artigo
era bem outra: "É vedada a alteração dos nomes dos próprios públicos
estaduais e municipais que contenham nome de pessoas, fatos históricos
ou geográficos, salvo para correção ou adequação nos termos da lei; é
vedada também a inscrição de símbolos ou nomes de autoridades ou
administradores em placas indicadores de obras ou em veículos de
propriedade ou a serviço da administração pública direta, indireta ou
fundacional do Estado e dos Municípios, inclusive a atribuição de nome
de pessoa viva a bem público de qualquer natureza pertencente ao Estado e
ao Município".
Quando foi feita a mudança? A 24 de janeiro de 2003, com o apoio decisivo de Roseana Sarney.
Desta
forma foi permitido que centenas - centenas, sem exagero - de
logradouros e edifícios públicos recebessem, em todo o estado,
denominações de familiares, especialmente do chefe.
Para
mostrar o desprezo pela ordem legal, em 1997 foi criado o município de
Presidente Sarney, isto quando a Constituição Federal proíbe e a
estadual ainda proibia.
Quem criou o município? Foi a filha, no
exercício do governo. Mas a homenagem ficou somente na denominação do
município. Pena. Os pobres sarneyenses - é o gentílico - vivem em
condições miseráveis: é um dos municípios que detêm os piores índices de
desenvolvimento humano no Brasil.
Como o Brasil esqueceu o
Maranhão, a família faz o que bem entende. E isto desde 1965! Sabe que
adquiriu impunidade pelo silêncio (cúmplice) dos brasileiros.
Mas,
no estado onde a política se confunde com o realismo fantástico, o
maior equívoco é imaginar que todas as mazelas já foram feitas. Não,
absolutamente não. A governadora resolveu fazer uma lei própria sobre
licitação.
Como é sabido, a lei federal 8.666 regulamenta e tenta
moralizar as licitações. Mas não no Maranhão. Por medida provisória,
Roseana Sarney adotou uma legislação peculiar, que dispensa a
"emergência", substituída pela "urgência".
Quem determina se é ou não urgente? Bingo, claro, é ela própria.
Não
satisfeita resolveu eliminar qualquer restrição ao número de aditivos.
Ou seja, uma obra pode custar o dobro do que foi contratada. E é tudo
legal.
Não é um chiste. É algo gravíssimo. E se o Brasil fosse um
país sério, certamente teria ocorrido, como dispõe a Constituição, uma
intervenção federal.
O que lá ocorre horroriza todos aqueles que
têm apreço por uma conquista histórica do povo brasileiro: o Estado
Democrático de Direito.
O silêncio do Brasil custa caro, muito
caro, ao povo do Maranhão. Hoje é o estado mais pobre da Federação. Seus
municípios lideram a lista dos que detém os piores índices de
desenvolvimento humano.
Muitos dos que lá vivem lutam contra os
promotores do Estado do medo. Não é tarefa fácil. Os tentáculos da
oligarquia estão presentes em toda a sociedade. É como se apresassem
para sempre a sociedade civil.
Sabemos que o país tem inúmeros problemas, mas temos uma tarefa cívica, a de reincorporar o Maranhão ao Brasil.
Marco Antonio Villa é historiador.