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A Constituição Federal diz que, dentre outros órgãos, compõem o Poder
Judiciário os Tribunais Regionais Federais e os do Trabalho. Os componentes
dessas Cortes, que atuam na chamada segunda instância, denominam-se apenas e
simplesmente “Juízes”. A expressão “desembargador”, pelo texto da Lei Maior
ficou reservada somente aos componentes dos Tribunais de Justiça dos Estados.
Contudo, os membros dos Tribunais Regionais Federais, através de mera Resolução
administrativa, acharam que não cairia bem serem confundidos com os juízes de
primeira instância e, ao “jeitinho brasileiro”, se auto proclamaram
“desembargadores federais”, alterando seus respectivos regimentos internos.
Posteriormente, alguns poucos Tribunais Regionais do Trabalho, incluindo
o do Maranhão, fizeram o mesmo, por intermédio de idêntico expediente, ficando o
pomposo título a ser conhecido por “desembargador federal do trabalho”, para
lhes identificar dos demais juízes de primeira instância.
Cá com os meus botões, sem querer ser deselegante ou grosseiro com esses
magistrados mais graduados e com mais anos de estrada, digo eu que, tanto num
quanto no outro caso, não há a necessária e correspondente previsão
constitucional para tal procedimento.
Conforme o estatuto dos servidores públicos civis da união, que, aliás, rege
supletivamente a magistratura federal, cargo
público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura
organizacional que devem ser cometidas a um servidor, além do que os cargos
públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com
denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em
caráter efetivo ou em comissão (art. 3º, da Lei nº 8.112/90).
Então se pergunta: como é possível mudar-se a denominação de um cargo
público, no sentido amplo da palavra, se a Constituição Federal não deu
autorização, nem mesmo sob o ângulo do princípio da simetria, para que isso
fosse levado a efeito? Respondo que isso só pode ser explicado por especialistas
de outras áreas do conhecimento humano que não o Direito, eis que tamanha é a “fogueira
das vaidades” que impulsionou os reformadores oblíquos do texto constitucional.
O Poder Judiciário do século 21, em todos os seus ramos, precisa e deve
demonstrar transparência à sociedade que lhe paga os subsídios (como agora são
chamados os vencimentos dos magistrados).
Para a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais(ANAMAGES), a
população, de um modo geral, não conhece profundamente a estrutura do Judiciário
e seus órgãos. De tal feita, ocorre que é corrente que se associem os termos
“juiz”, “desembargador” e “ministro” ao Poder Judiciário, por razões históricas
e culturais, o que implica dizer que o uso indevido desses títulos, como às
vezes, vê-se pelos quatro cantos do País, induz o cidadão a acreditar se tratar
de órgão integrante do Judiciário, quando, na verdade, não tem absolutamente
nada a ver com esse poder ou até mesmo com o Estado.
A confusão que se faz aos ouvidos do homem simples do povo, nesse rosário
de denominações das mais variadas, pode levar à perda da identidade, inclusive
ocasionando o desprezo e à própria perda do respeito que deve haver do
jurisdicionado para com o magistrado (e, obviamente, o inverso), porquanto não
mais se relacionaria, por exemplo, a palavra juiz àquele que exerce a atividade
jurisdicional.
Apesar de os juízes federais (dos TRF’s) e os juízes do trabalho (dos
TRT’s) serem magistrados de 2º Grau tão competentes quanto os desembargadores
dos Tribunais de Justiça, com estes não se confundem, fazendo-se necessária a
exclusividade do título de desembargador para os tribunais estaduais, em
respeito mais que merecido ao senso comum, às tradições que deitam raízes nos
séculos.
Conforme a doutrina, o título de desembargador se refere ao juiz
integrante do Tribunal de Justiça. Isso porque era o título que designava os
membros do “Desembargo do Paço”, Tribunal português do século XV, encarregado,
entre outras funções, de rever sentenças e acórdãos, reconhecer posses, confirmar
adoções, funções que há muito vêm sendo desempenhadas pelos membros dos
Tribunais de Justiça, o que refletiu na adoção, no Brasil, da nomenclatura
lusitana (SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. 3ª edição, Rio de Janeiro:
Ed. Rio, 1981, pg. 116).
Os Tribunais Regionais Federais, em que pese o prestígio de seus membros
e sua nobre função de serem órgãos de segunda instância na Justiça federal, são
bem mais recentes que os Tribunais de Justiça, visto que surgiram com a
Constituição Federal de 1988, que previu, de imediato, a criação de 5 TRF’s.
Dessa forma, em homenagem à tradição secular, impende que o título de
desembargador restrinja-se ao âmbito da justiça estadual, porque essa tradição
não é mero orgulho dos magistrados estaduais, mas representa a manutenção da
cultura brasileira.
Da mesma maneira, seria despropositado, por exemplo, nomear o prefeito
das cidades de “presidente municipal”, vez que o título de presidente é
reservado ao chefe do Executivo federal. Tanto é assim que, outra vez
exemplificando, não vingaria em nosso ordenamento jurídico a designação de “deputado
municipal” ao invés de vereador, ou ainda, “presidente estadual” no lugar de
governador (ANAMAGES. Reforma do Judiciário: pela restauração do federalismo
brasileiro. Brasília, 25 de março de 2004, com
adaptações).
Finalizo dizendo que, a toda sorte de evidência, seria ridículo a um juiz
de direito baixar uma portaria, no fórum de sua comarca, dizendo que a partir
daquela data o seu cargo, obtido através de concurso público e pago pelos
contribuintes, passaria a ser o de “desembargador municipal”, e que todos o
tratassem dessa maneira... Não precisa nem se dizer que tal ato administrativo
careceria do mínimo respaldo constitucional. Precisa?