quarta-feira, 30 de maio de 2012

DESEMBARGADOR FEDERAL. A POLÊMICA CONTINUA

(ilustração) 

A Constituição Federal diz que, dentre outros órgãos, compõem o Poder Judiciário os Tribunais Regionais Federais e os do Trabalho. Os componentes dessas Cortes, que atuam na chamada segunda instância, denominam-se apenas e simplesmente “Juízes”. A expressão “desembargador”, pelo texto da Lei Maior ficou reservada somente aos componentes dos Tribunais de Justiça dos Estados.
Contudo, os membros dos Tribunais Regionais Federais, através de mera Resolução administrativa, acharam que não cairia bem serem confundidos com os juízes de primeira instância e, ao “jeitinho brasileiro”, se auto proclamaram “desembargadores federais”, alterando seus respectivos regimentos internos.
Posteriormente, alguns poucos Tribunais Regionais do Trabalho, incluindo o do Maranhão, fizeram o mesmo, por intermédio de idêntico expediente, ficando o pomposo título a ser conhecido por “desembargador federal do trabalho”, para lhes identificar dos demais juízes de primeira instância.
Cá com os meus botões, sem querer ser deselegante ou grosseiro com esses magistrados mais graduados e com mais anos de estrada, digo eu que, tanto num quanto no outro caso, não há a necessária e correspondente previsão constitucional para tal procedimento.
Conforme o estatuto dos servidores públicos civis da união, que, aliás, rege supletivamente a magistratura federal,  cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor, além do que os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão (art. 3º, da Lei nº 8.112/90).
Então se pergunta: como é possível mudar-se a denominação de um cargo público, no sentido amplo da palavra, se a Constituição Federal não deu autorização, nem mesmo sob o ângulo do princípio da simetria, para que isso fosse levado a efeito? Respondo que isso só pode ser explicado por especialistas de outras áreas do conhecimento humano que não o Direito, eis que tamanha é a “fogueira das vaidades” que impulsionou os reformadores oblíquos do texto constitucional.
O Poder Judiciário do século 21, em todos os seus ramos, precisa e deve demonstrar transparência à sociedade que lhe paga os subsídios (como agora são chamados os vencimentos dos magistrados).
Para a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais(ANAMAGES), a população, de um modo geral, não conhece profundamente a estrutura do Judiciário e seus órgãos. De tal feita, ocorre que é corrente que se associem os termos “juiz”, “desembargador” e “ministro” ao Poder Judiciário, por razões históricas e culturais, o que implica dizer que o uso indevido desses títulos, como às vezes, vê-se pelos quatro cantos do País, induz o cidadão a acreditar se tratar de órgão integrante do Judiciário, quando, na verdade, não tem absolutamente nada a ver com esse poder ou até mesmo com o Estado.
A confusão que se faz aos ouvidos do homem simples do povo, nesse rosário de denominações das mais variadas, pode levar à perda da identidade, inclusive ocasionando o desprezo e à própria perda do respeito que deve haver do jurisdicionado para com o magistrado (e, obviamente, o inverso), porquanto não mais se relacionaria, por exemplo, a palavra juiz àquele que exerce a atividade jurisdicional.
Apesar de os juízes federais (dos TRF’s) e os juízes do trabalho (dos TRT’s) serem magistrados de 2º Grau tão competentes quanto os desembargadores dos Tribunais de Justiça, com estes não se confundem, fazendo-se necessária a exclusividade do título de desembargador para os tribunais estaduais, em respeito mais que merecido ao senso comum, às tradições que deitam raízes nos séculos.
Conforme a doutrina, o título de desembargador se refere ao juiz integrante do Tribunal de Justiça. Isso porque era o título que designava os membros do “Desembargo do Paço”, Tribunal português do século XV, encarregado, entre outras funções, de rever sentenças e acórdãos, reconhecer posses, confirmar adoções, funções que há muito vêm sendo desempenhadas pelos membros dos Tribunais de Justiça, o que refletiu na adoção, no Brasil, da nomenclatura lusitana (SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. 3ª edição, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1981, pg. 116).
Os Tribunais Regionais Federais, em que pese o prestígio de seus membros e sua nobre função de serem órgãos de segunda instância na Justiça federal, são bem mais recentes que os Tribunais de Justiça, visto que surgiram com a Constituição Federal de 1988, que previu, de imediato, a criação de 5 TRF’s.
Dessa forma, em homenagem à tradição secular, impende que o título de desembargador restrinja-se ao âmbito da justiça estadual, porque essa tradição não é mero orgulho dos magistrados estaduais, mas representa a manutenção da cultura brasileira.
Da mesma maneira, seria despropositado, por exemplo, nomear o prefeito das cidades de “presidente municipal”, vez que o título de presidente é reservado ao chefe do Executivo federal. Tanto é assim que, outra vez exemplificando, não vingaria em nosso ordenamento jurídico a designação de “deputado municipal” ao invés de vereador, ou ainda, “presidente estadual” no lugar de governador (ANAMAGES. Reforma do Judiciário: pela restauração do federalismo brasileiro. Brasília, 25 de março de 2004, com adaptações).
Finalizo dizendo que, a toda sorte de evidência, seria ridículo a um juiz de direito baixar uma portaria, no fórum de sua comarca, dizendo que a partir daquela data o seu cargo, obtido através de concurso público e pago pelos contribuintes, passaria a ser o de “desembargador municipal”, e que todos o tratassem dessa maneira... Não precisa nem se dizer que tal ato administrativo careceria do mínimo respaldo constitucional. Precisa?

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