(Consultor Jurídico), 25 de maio de 2012.
Luiz Flávio Gomes é
advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG,
diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
O Piauí é o segundo estado menos encarcerador do Brasil (atrás apenas do Maranhão), apresentando uma taxa de 90,01 presos a cada 100 mil habitantes - constatações do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC-LFG), baseadas nos números do DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional, de junho de 2011.
Nos estabelecimentos penais piauienses, 72% do total de 2.831 detentos são presos provisórios, ou seja, ainda não foram julgados definitivamente. Trata-se de um dos maiores índices nacionais de detentos que aguardam julgamento (a média nacional é de 43%).
Conforme o relato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
no Mutirão Carcerário realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de
2011, apesar de a população carcerária do estado não ser tão expressiva e
a maioria apresentar baixa ou média periculosidade, o número de presos
provisórios sobrecarrega o sistema, causando superlotação nas celas.
Na Casa de Custódia, por exemplo, destinada exclusivamente para presos provisórios, a superlotação é tamanha que existem de 2 a 3 presos por vaga na unidade.
O Relatório do Mutirão apontou ainda que muitos detentos do estado estavam submetidos a prisões ilegais, razão pela qual foram concedidas 405 liberdades, 325 (ou 80%) das quais beneficiaram presos provisórios.
No
Judiciário do Piauí, faltam varas especializadas no interior. Já nas
varas criminais, não há nenhum controle sobre os processos, tampouco
prioridade para os que envolvem acusados presos, resultando numa enorme quantidade de processos sem julgamento.
A deficiência estatal abastece a insalubridade carcerária piauiense.
Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:
A
questão mais séria que está por detrás das constatações do CNJ diz
respeito à legitimidade das decisões judiciais que mandam as pessoas
para as nefastas e cruéis cadeias nacionais. Sabemos que a legitimidade
dos juízes (da jurisdição) não reside no consenso da maioria. O juiz não
é político. Não deve tomar suas decisões conforme a vontade da maioria
(embora às vezes haja coincidência). A legitimidade das decisões
judiciais reside no respeito aos direitos humanos, ou seja, na tutela
dos direitos e garantias fundamentais (Ferrajoli). No cumprimento desse
mister muitas vezes a decisão legítima do juiz se torna
contramajoritária.
A pergunta relevante (como bem sublinha Iñaki
Rivera) é a seguinte: será que os juízes criminais (especialmente os
brasileiros), que mandam centenas e centenas de pessoas diariamente para
os imundos e desumanos cárceres brasileiros, sabem para onde estão
mandando essas pessoas?
Se não sabem estão descumprindo seus
deveres legais e constitucionais, de conhecer e visitar os presídios. Se
sabem, estão nada mais nada menos que fazendo o mesmo papel dos juízes
nazistas do tempo de Hitler, mandando gente para locais onde não vigora o
Estado de Direito, contribuindo dessa forma para a manutenção perpétua
de um sistema que conflita diretamente com todo o ordenamento jurídico
(legal, constitucional e internacional). São coniventes (para não dizer
responsáveis) com a manutenção de um sistema proibido, ou seja, vedado
pelo Estado de Direito.
Mesmo assim, continuam enfrentando
(menosprezando, ignorando) as normas jurídicas vigentes, em lugar de
exigir respeito aos direitos humanos (tanto das vítimas quanto dos
presos, que são vítimas dos desmandos do Estado, que conta, nesse ponto,
com amplo apoio popular). Até quando os juízes brasileiros em sua
maioria (há exceções honrosas) continuarão com os olhos vendados, não
querendo enxergar a situação degradante e humilhante tanto das vítimas
dos crimes quanto dos presídios brasileiros?
*Colaborou Mariana Cury Bunduky é advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
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