CHICO OTÁVIO De O Globo
No ano em que
foi declarado patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1921-1997)
ficou menor no Maranhão. Por decisão da Secretaria estadual de Educação,
o nome do educador será apagado da fachada do prédio anexo de uma
escola pública de Turu, bairro de São Luís. Em seu lugar, será pintado o
novo nome da escola: Centro de Ensino Roseana Sarney Murad. Os
uniformes dos alunos já foram mudados.
No Maranhão, o sobrenome
Sarney já está em 161 escolas, mas a mudança no Turu não deve ser
interpretada apenas como mais um sinal do culto à família de Roseana.
Para a direção da escola, o importante é ter a certeza de que o nome da
governadora pintado na fachada atrairá mais recursos e outros paparicos
da administração central de um estado onde 61% das pessoas, com 10 anos
de idade ou mais, não chegaram a completar a educação básica (de acordo
com dados do Censo 2010). Isso é sarneysismo, movimento político
liderado pelo senador José Sarney (PMDB), que comanda o Maranhão há
quase cinco décadas.
Foto: M. Nascimento
Nome de Roseana Sarney ainda não cobriu o de Paulo Freire em escola rebatizada, mas já está nos uniformes escolares
“Sarney nem mora aqui. Seu controle só é ativado em momentos muito
específicos”, disse o professor Wagner Cabral, do Departamento de
História da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Sarneysismo, uma história de 47 anos
Reportagem publicada em O Globo revelou a existência de uma rede de
falsas agências de turismo que fornece mão de obra barata, arregimentada
no interior do Maranhão, para a lavoura de cana-de-açúcar e para a
construção civil do Sudeste e do Centro-Oeste. Para os especialistas
ouvidos pelo jornal, o fenômeno é resultado de uma perversa combinação
de fatores, da má distribuição da terra à tragédia educacional no
estado, todos fortemente associados ao sarneysismo.
Desde 1965,
quando José Sarney (PMDB) assumiu o governo maranhense, o grupo do atual
presidente do Senado venceu dez eleições para governador, chefiou o
Executivo local por 41 anos e só perdeu o controle político do estado em
duas ocasiões: quando o aliado e então governador José Reinaldo Tavares
rompeu com o sarneysismo, em 2004, e dois anos depois, quando Jackson
Lago (PDT) derrotou sua filha e herdeira política, Roseana, que
concorria ao terceiro mandato de governadora. Mesmo assim, por pouco
tempo: em 2009, Lago teve o mandato cassado por compra de votos.
O
sarneysismo é um movimento diferente de outras correntes políticas,
como o getulismo ou o brizolismo. Não se sustenta na adoração da figura
do líder e nem tem uma base popular. Em lugares como Codó, Timbiras e
Coroatá, cidades a 300 quilômetros de São Luís, que formam uma espécie
de enclave do trabalhador barato no interior do estado, só se vê o nome
Sarney em prédios públicos. Todavia, a cada abertura das urnas
eleitorais, a família reafirma um poder que nem a estagnação econômica
foi capaz de ameaçar.
“De um lado, Sarney é homem de ligação com o
governo federal. Tem poder em Brasília por ser uma peça fundamental no
jogo da governabilidade. De outro, mantém as prefeituras de pires na
mão”, sustenta Wagner Cabral.
“Ele fala por uma questão
ideológica e política. Sarney proporcionou um salto de progresso no
estado. Os fatos históricos são diferentes”, rebate o jornalista
Fernando César Mesquita, porta-voz de Sarney.
No Maranhão, a
força do sarneysismo está na pequena política. Quando descobriu que a
escola Paulo Freire, onde trabalha, seria rebatizada com o nome da
governadora, a professora Marivânia Melo Moura começou a passar um
abaixo-assinado para resistir à mudança. A retaliação não demorou:
“A direção ameaçou transferir-me”, disse a professora, que mora no mesmo bairro da escola e vai de bicicleta ao trabalho.
A Secretaria de estado da Educação alega que o anexo da escola Paulo
Freire mudou de nome porque foi incorporado à estrutura, já existente,
do Centro de Ensino Roseana Sarney Murad, "devido à necessidade de uma
estrutura organizacional, com regimento, gestão e caixa escolar
próprios, no referido anexo".
O Maranhão, onde quase 40% da
população é rural, é uma espécie de campeão das estatísticas negativas.
Enquanto o Brasil tem 28% de trabalhadores sem carteira assinada, o
percentual no estado supera os 50%. Na relação dos 15 municípios
brasileiros com as menores rendas, listados pelo IBGE, nada menos do que
dez cidades são maranhenses. O chefe do escritório regional do
Instituto, Marcelo Melo, acrescenta ainda que apenas 6% dos maranhenses
estudam em cursos de graduação, mestrado e doutorado. Separados, os
números já assustam. Se combinados, o efeito é devastador.
“O resultado desses índices de qualificação é uma mão de obra de baixa qualidade”, disse Melo.
O professor Marcelo Sampaio Carneiro, do Centro de Ciências Sociais da
Ufma, explicou que a estrutura do mercado de trabalho no Maranhão possui
duas características principais. A primeira é a elevada participação do
trabalho agrícola no conjunto das ocupações, com destaque para os
postos de trabalho gerados pela agricultura familiar. Por conta de
diversos fatores, ele disse que tem havido uma forte destruição de
postos de trabalho nesse setor. De acordo com o Censo Agropecuário, em
1996 existiam 1.331.864 pessoas ocupadas no campo maranhense; em 2006
esse número baixou para 994.144 pessoas. Isso explica, por exemplo, o
arco de palafitas miseráveis que cerca o centro histórico de São Luís.
A segunda é a inexistência de ramos industriais dinâmicos que consigam
absorver essa oferta de mão de obra, já que a principal atividade
industrial no Maranhão é o beneficiamento primário de produtos minerais,
como a fabricação de alumínio e alumina pela Alumar e a produção de
ferro-gusa por pequenas unidades fabris instaladas ao longo da Estrada
de Ferro Carajás. Por esse motivo, o estado, que nos anos 50, 60 e 70 do
século passado recebia migrantes, passou, a partir dos anos 1980, a
exportar mão de obra. E nem mesmo a sistemática transferência de
recursos, via programas sociais, foi suficiente para deter esse
esvaziamento:
“A transferência de renda pode até livrar as
famílias da fome, mas não é capaz de dinamizar a economia da região”,
disse Carneiro.
(Fonte: Jornal Pequeno, 8.5.2012).
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