quinta-feira, 8 de março de 2012

LIBERDADE E RÁDIOS COMUNITÁRIAS

Trago aos amigos internautas um modesto artigo que escrevi quando ainda trabalhava na Cidade de Santa Luzia do Paruá (2002-2007), região do Alto Turiaçu maranhense, e que foi publicado no Jornal Pequeno de 22 de novembro de 2006, na coluna Espaço do Leitor.
Creio que a matéria é oportuna e bastante atual, por isso resolvi postá-la, para quem interessar possa. Ei-la, então.
Assunto que vem sendo objeto de debate, atualmente, refere-se à democratização dos meios de comunicação social, a fim de que a sociedade organizada tenha vez e voz, e não seja tratada apenas como uma inerte espectadora do que é imposto, “goela” abaixo, pela mídia tradicional.
A Constituição Federal dispõe que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, IX). Essa garantia de liberdade de manifestação do pensamento, através dos veículos de comunicação social, vem reforçada nos arts. 220 e 224, por entender o constituinte que a mesma é essencial ao exercício da plena cidadania, em razão do alcance desses meios de comunicação, especialmente a televisão, que não encontra barreira, sequer, no analfabetismo, aspecto muito significativo para um País como o nosso, que tem o segundo maior percentual de analfabetos no continente latino-americano.
Já se disse até que estamos vivendo a era do homo ocular, ou seja, que vê em vez de ouvir e sente em vez de pensar, julgando as pessoas pela aparência, gestos e emoções. Não é sem razão que hoje em dia as pessoas dependem mais da mídia do que da família, escola, Igreja, sindicato ou partido político.
A propósito, o Brasil foi o 5º país do mundo e o 1º da América Latina a implantar a televisão, em 1950, por obra do paraibano Assis Chateubriand, que depois se “elegeu” senador pelo Maranhão; em 1980, já éramos o 6º em número de televisores, superado apenas pelos EUA, Inglaterra, Alemanha, Japão e França; em 1999, 87% dos domicílios nacionais tinham um ou mais aparelhos de TV.
Todavia, a ‘ditadura’ elitista e conservadora ainda reina e mantém controle absoluto sobre os serviços de comunicação social, agindo de forma unilateral e pessoal-familiar, sob a benevolente proteção do governo federal, historicamente baseado em troca de favores e conchavos políticos, na contra-mão do diálogo e da participação popular, que deveria ser a tônica do controle social.
Não é à toa que “a mídia transformou-se em empreendimento comercial, com objetivo primário de lucro, e em instrumento da manipulação da opinião pública. Por meio da televisão, como tem sido explorada, perpetuam-se o autoritarismo, o paternalismo, o mito da igualdade, a desconfiança política e o culto do ócio e do lazer” (LIMA, Venício A. de. Mídia – Teoria e Política. SP: Fundação Perseu Abramo, 2001).
Conforme o desembargador federal aposentado João Batista Gomes Moreira, do TRF da 1ª Região, “a comunicação de massa desenvolveu-se no Brasil, assim como nos demais países da América Latina, durante os regimes militares, voltados para a política de integração nacional e de prevenção de movimentos subversivos da ordem então estabelecida, o que facilitou a formação de oligopólios, em detrimento da diversificação por meio da instituição de veículos locais e regionais, que se tinham como de difícil controle” (Direito Administrativo – Da rigidez autoritária à flexibilidade democrática. BH: Ed. Fórum, 2005).
Teria tal inspiração (se é que isso lá possa ser chamado) autoritária, o art. 70, da Lei nº 4.117/62, segundo a qual “constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um ) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos” (é o velho argumento de que cadeia resolve tudo na vida do cidadão!).
É ainda do pensamento do referido magistrado a afirmação de que “os serviços de rádios comunitárias, particularmente importantes para o esclarecimento, a conscientização e o enriquecimento cultural das comunidades municipais, ainda não conseguiram romper as referidas amarras, prova é a timidez com que a Lei nº 9.612/98 tratou a matéria, a ponto de limitar a potência de tais rádios ao máximo de 25 watts ERP e a cobertura restrita à comunidade de um bairro ou vila (art. 1º, §§ 1º e 2º), o que significa o raio de apenas um quilômetro a partir da antena transmissora”.
Frise-se, como o autor, que a autorização de funcionamento das rádios comunitárias, algumas delas tidas e chamadas vulgarmente por pirata, tem sido entendida como polícia de atividades extremamente perigosas, na medida em que “sob a invocação do poder de polícia, as estações são sumariamente lacradas, pela ação do antigo Dentel e hoje Anatel, dizendo-se que representam risco gravíssimo para a navegação aérea, ainda que não se tenha notícia de qualquer queda de aeronave provocada por uma das milhares de rádios que funcionam no Brasil sem autorização formal do Ministério das Comunicações”.
Vale mencionar que o espectro de radiofreqüência destina-se à realização do direito fundamental de liberdade de expressão e comunicação, de aplicação constitucional imediata, independentemente de legislação infraconstitucional, cabendo ao Estado o dever de seu gerenciamento promocional, em vez de policial e patrimonialista (político-eleitoreiro), como tem acontecido em relação às rádios comunitárias (SILVEIRA, Paulo Fernando. Rádios Comunitárias. BH: Del Rey, 2001, pg. 146).
É de se perguntar, como fez Emília Viotti Costa, que significado tem o direito de livre expressão para quem não dispõe dos meios de comunicação para se expressar? Lamentavelmente, qualquer mudança nesse quadro, por exigir processo legislativo, é demorada e lenta, mas não impossível, eis que vários parlamentares (ou suas famílias) são proprietários de inúmeras emissoras de rádio AM e FM, além de concessionários de canais de televisão. Os exemplos ficam por conta do leitor.
Terá papel decisivo na reformulação das políticas públicas afirmativas de comunicação social, com a respectiva conquista da ampla liberdade de expressão, sem dúvida nenhuma, o efetivo engajamento dos diversos atores sociais, valendo o esforço concentrado de toda a sociedade civil, desde os movimentos de base até os segmentos mais organizados, para que os congressistas brasileiros possam alterar o modo de pensar sobre os meios de comunicação de massa, embora se saiba que muitos deles, políticos poderosos, verdadeiras ‘raposas felpudas’ palacianas, estão mais interessados em manter o atual sistema ‘feudal’ em vigor, do que promover o avanço democrático-popular, sem falar que, antes de mais nada, os mesmos estão sempre com os olhos voltados para as próximas eleições, temerosos de que sua imagem seja arranhada, em definitivo, da mídia que lhes garante o pão e a vitória nas urnas.

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