terça-feira, 13 de março de 2012

POESIA AO PÉ DO BALCÃO



Quem o conheceu em vida, há muito tempo atrás, como Raymundo Carvalho Guimarães, autor de “Buriti Bravo, nesga de sertão”(monografia histórica dos municípios integrantes da antiga Comarca do Alto Itapecuru), diz que ele era um homem de estatura média, moreno-claro, olhos negros da cor de breu, cabelos pretos e lisos, derramando-se pela testa, andar compassado com o corpo um pouco inclinado para a frente.
De origem humilde, foi batizado com o nome de Joaquim Vespasiano Ramos, conhecido na intimidade familiar e entre os amigos pelo apelido de Quincas. O seu nascimento ocorreu no dia 13.08.1884, em uma rua localizada no largo da Igreja de São Benedito, em Caxias/MA.
Conforme o escritor Milson Coutinho, Vespasiano Ramos é um dos poetas mais festejados no Maranhão, sendo seus versos ainda hoje lembrados e declamados nas rodas boêmias, notadamente o poema intitulado ‘Samaritana’ (Caxias das Aldeias Altas – Subsídios para a sua história. Ed. Senado Federal, 1980, pg. 190).
O dito poeta iniciou as primeiras letras na sua terra natal, aí empregando-se no comércio como guarda-livros de firmas comerciais, profissão que também exerceu nos seringais da inóspita Amazônia, para onde foi atraído pela ‘febre da borracha’, pretendendo ficar rico da noite para o dia, como milhares de nordestinos.
Conta-se até que, aos 13 anos de idade, labutando no comércio como caixeiro, mas interessado nos estudos, aprendia sozinho, sem professor, a um canto da loja nos momentos de folga, escrevendo versos ao pé do balcão em papel de embrulhar jabiraca (peixe-seco).
A sua alma sensível, de homem muito moço ainda, porém, foi sacudida por um amor mal sucedido, ao apaixonar-se delirantemente por uma jovem chamada Lili Bittencourt, fina flor da sociedade caxiense, amor que, com a sua frustração, o conduziu a uma vida desregrada e boêmia.
Para Humberto de Campos, Vespasiano era sentimental por índole e por condição de vida e, torturado por um grande amor sem esperança, procurou na poesia uma consolação generosa para os momentos de intimidade com a sua alma, nas horas não dissipadas pela voracidade boêmica.
Em um dos saraus familiares, corriqueiros na época, o nosso poeta, figura central das chamadas tertúlias literárias, ajoelha-se diante da amada ingrata e, em uma patética declamação, faz de público sua confissão de amor à formosa conterrânea, no poema ‘Ante uma Mulher’, em 107 comoventes versos que, entre outras coias, assim relatavam:

“De joelhos caindo as mãos estendo/ Ao vosso amado coração em flor/ Como serei ditoso recebendo/ Uma esmola de amor”.

Completou a declamação dizendo que:

“E sempre ajoelhado/ Ajoelhado como um penitente/ O coração em lágrimas banhado/ Todo cheio de lágrimas termino/ A confissão de meu amor profundo/ Dizendo que de vós unicamente/ Depende o meu destino/ O meu destino escuro ou constelado/ De ser o homem mais feliz do mundo/ Ou o homem talvez mais desgraçado”.

Contudo, a sua musa inspiradora, a jovem Lili, não deu trela a esse desabalado e platônico amor. As razões verdadeiras para não querer namorá-lo talvez estejam a sete palmos de fundura. É que amava a outro, com quem veio a se casar depois.
Querido e estimado, desfrutando do afeto de todos, após isso, era freqüente vê-lo com outros boêmios, seus companheiros e colegas de ofício, bebendo até altas horas da madrugada pelas tavernas da cidade, escrevendo versos de amor e ternura nas mesas dos botequins, embalando sua própria alma, esbanjando talento e desgastando a saúde.
Desiludido, derrama a sua dolorosa paixão pelo malogrado amor que lhe marcou para sempre, sentimento jamais correspondido e que o atormentava, escrevendo o poema “Ponto Final”, onde arrochava:

“Tudo acabado entre nós dois/ No dia em que este amor meu peito penetrou/ Eu me pus a pensar/ Que ele nunca minh’alma deixaria/ De viver e cantar/ De viver e cantar como deixou”.

Puro engano do poeta. Toda a sua vida foi arrastada pelo amor frustrado de Lili, tanto assim que, fechando o seu único livro publicado, ‘Cousa Alguma’, na última página, os versos do poema ‘Sulamita’, em desespero, cantam: “Desgraçada a paixão que me inspiraste/ Desgraçado de mim que te amo ainda.” (Guimarães, Raymundo Carvalho. Esparsos Colhidos. São Luís: Sioge, 1986, pg. 53).
Vespasiano Ramos, o grande poeta do amor, patrono da cadeira nº 32 da Academia Maranhense de Letras e da Cadeira nº 40 da Academia Paraense de Letras, faleceu em Porto Velho/RO, no dia 26.12.1916, com apenas 32 anos de idade, vividos metade entre Caxias/São Luís e metade no eixo Belém/Manaus, além dos seringais amazônicos, onde aí os seus pés foram obrigados a levar o corpo à sepultura.
______ 
Artigo publicado pelo editor do blog no Jornal Pequeno. São Luís, 30.11.2006.

3 comentários:

  1. Esse João é pancada... Mas, tem que, né, pa...

    PAULO CRUZ PEREIRA

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, como diria um "filósofo" ex-prefeito de Matões....

      Excluir
  2. Como e onde comprar o livro:

    BURITI BRAVO, NESGA DO SERTÃO

    janclerques@gmail.com
    www.portaldefloriano.blogspot.com

    ResponderExcluir