domingo, 4 de março de 2012

Túnel do tempo: fraude eleitoral em Matões

Trago hoje à apreciação dos internautas um interessante texto obtido na Câmara dos Deputados, sobre a devassaladora fraude eleitoral ocorrida em Matões há quase 50 anos. Felizmente, tais práticas políticas já não mais existem, servindo apenas para mostrar as gerações atuais como se dava, a bico de pena e do coronelismo então reinante, o processo eleitoral não muito distante de nós.
Cuida-se de um discurso proferido pelo médico codoense e Deputado Federal Clodomir Millet (1913-1988), da bancada oposicionista maranhense, ferrenho adversário do oligarca Vitorino Freire, na sessão do dia 14/11/1962 (Diário do Congresso Nacional, Seção I – Suplemento, pgs, 19/23). Ei-lo:
 "Senhor Presidente e Senhores Deputados, não consigo esconder o constrangimento com que venho a esta tribuna, não para louvar, como seria do meu desejo, como seria do meu agrado, a justiça eleitoral do meu Estado, mas para expor à Nação o que foi, ou o que está sendo o pleito eleitoral no Maranhão.
Toda a Nação já conhece, através do noticiário da Imprensa, que, no meu Estado, as fraudes atingiram proporções impossíveis de se calcular, porque, ainda hoje, está-se fazendo, realmente, a eleição no Maranhão. Terminada a eleição no dia 7, com as fraudes havidas no correr do pleito, novas fraudes foram cometidas durante a apuração, novas apurações se fizeram, nova eleição se fez e, ainda hoje, se apura no Maranhão a eleição de 7 de outubro.
Os juízes eleitorais não cumpriram a lei fazendo expedir os boletins. De nada adiantou a disposição legal, que obrigava os juízes eleitorais, ou os Presidentes das Juntas Eleitorais, a expedir os boletins, após a apuração de cada urna. Esses boletins, muitas zonas do Estado, não foram expedidos: reclamações foram dirigidas ao Tribunal Regional. O Tribunal Regional mandava instruções aos juízes, para que fornecessem os boletins.
Chegava até a mandar suspender as apurações, (ordenando) não fossem entregues os boletins aos delegados de partidos. Os juízes não davam qualquer (solução) ao Tribunal. Comunicavam que já tinham encerrado as apurações e (tudo) ficava no mesmo. Quando aos delegados de partido voltavam ao Tribunal, já agora, com uma representação contra o juiz faltoso, o Tribunal mandava arquivar a representação, por já haver terminada a eleição e a apuração.
Por outro lado, pedimos força federal para garantir a votação, o transporte das urnas e a apuração, nos termos do art.17 da Lei 4.115, que deu nova redação ao art. 65 da Lei 2.550. Tribunal Regional concedeu a força, o Tribunal Superior requisitou-a mas a força federal não deslocou, não sei por que razão, para os municípios onde deveria atuar, garantindo a fiscalização dos partidos políticos. E, assim, em muitas zonas não foi possível à oposição fazer a necessária e devida fiscalização da eleição e da apuração.
Outrossim, generalizou-se de tal a corrupção e a fraude, que os próprios fiscais muitas vezes se acumpliciavam na barganha da eleição e da apuração. Candidatos, muitas vezes, eram chamados a fazer o lá no Maranhão já se chama, com muita naturalidade, o “combinemos”, e nenhuma providência se podia tomar daí em diante, já que os próprios fiscais, delegados e candidatos tinham compactuado com a fraude praticada.
Por outro lado, homens do interior, pouco afeitos a trabalhos dessa espécie, não estavam, muitas vezes, em condições de enfrentar o juiz eleitoral, a junta eleitoral, certos elementos poderosos e influentes na política, e então a fiscalização já por esse meio também se tornava ineficaz, porque os fiscais se acovardam e deixavam as urnas e a apuração entregues àqueles que pretendiam frauda-las, como de fato fraudaram. Houve municípios no meu Estado em que não chegou mesmo a haver eleições, ou melhor, a eleição se realizou dias antes de 7 de outubro. Por exemplo: hoje sabemos que no Município de MATÕES, da 36ª zona da comarca de Parnarama, a eleição foi feita no dia 27 ou 28 de setembro. Os presidentes das mesas receptoras recebiam em sua casa as urnas e providenciavam a eleição. Não pudemos ir a Matões, Parnarama, assistir à eleição nem à apuração.
(...)
Como ia dizendo, em Matões não houve eleição. A eleição realizou-se dias antes. A apuração foi feita, segundo os boletins, no próprio dia 7 de outubro. Tenho aqui os boletins de Matões e aqui está, 7 de outubro, embora esses boletins de Matões estejam datados de 10. 7 de outubro deve ter sido a data da apuração simulada, porque tudo deve ter sido preparado antes: os boletins de Parnarama, sede da comarca, estão assinalados aqui, no mesmo local: “8 de outubro, 9 de outubro”. Então já nos dias 8 e 9 se apuraram eleições em Parnarama e, no dia 7, teriam sido apuradas as de Matões. Não colheria o argumento de que havia um engano e a data aposta acima era a data da eleição. Não, porque não é possível enganar-se alguém na data, anotando os dias 8 e 9 para as seções de Parnarama e 7 para as de Matões se estas não tivessem sido, realmente antes. E o foram mesmo, pois o pleito se realizara dias antes da data oficial: em Matões se preparam as urnas (porque eleição mesmo não houve) a 27 ou 28 de setembro.
Mas, se alguém duvidasse de que não houve eleição em Matões, bastaria ler esses boletins. Estão à disposição dos Srs. Deputados, porém permito-me resumir alguns. Por exemplo. Primeira seção: número de votantes, 253; Vitorino Freire, 253; Sebastião Archer, 253; Joel Barbosa, 253; Lauro Barbosa, 253. Nenhum voto em branco, nenhum nulo, nada. Segunda sessão: número de votantes, 238; Vitorino Freire, 238; Sebastião Archer, 238; Joel Barbosa, 238; Terceira seção: número de votantes, 240; Vitorino Freire, 240; Sebastião Archer, 240; Joel Barbosa, 225 – baixou um pouco. Para Deputado Estadual, dividiram a votação entre dois candidatos. Aqui há coisa curiosa – Quarta seção: Clodomir Millet, 105; Vitorino Freire, 130; Antenor Bogéa –meu companheiro de chapa, 105; Sebastião Archer, 130.
Os eleitores votavam: 105 em mim, 130 em Vitorino Freire. Nenhum voto em branco, nenhum nulo. Ninguém errava, ninguém se enganava naquela eleição.
5ª Seção. Curioso. Ganhei a eleição nesta Seção: Clodomir Millet, 150; Vitorino Freire, 92; Sebastião Archer, 92; Antenor Bogéa, 150. Total de votantes, 242; Joel Barbosa, 242. Deputados Estaduais: a mesma coisa. E vejam: votos em branco, zero; votos nulos, zero. 6ª Seção: Vitorino Freire, 100; Clodomir Millet, 130; Sebastião Archer, 100; Antenor Bogéa, 130. Zero voto em branco. Zero voto nulo. Joel Barbosa, 230; Lauro Barbosa, Deputado Estadual, 230. 7ª Seção: Votantes, 145. Vitorino, 145. Sebastião Archer, 145; Joel, 145; Osvaldo Campos, outro candidato a Deputado Estadual, 145. 8ª Seção: 245 votantes. Vitorino, 245; Sebastião, 245; Joel, 245; Lauro, 245. E assim por diante.
São 18 Seções Eleitorais no Município, com votações integrais para determinados candidatos. Repito: nem um erro; nem um eleitor se enganou no riscar aquele quadradinho. Nem um. Até quando votava nos candidatos da oposição, sabia votar. Eu que não tinha um eleitor, como dizem os políticos locais, teria tido os votos por que o meu nome encabeçava a chapa, tive aqueles votos sem que o eleitor se enganasse ao assinalar a cédula única. Mas o meu companheiro, Dr. Antenor Bogéa, que era outro candidato da chapa da oposição, também teve os mesmos votos que eu sem estar no primeiro lugar, sem que houvesse também qualquer engano, qualquer erro de parte do eleitor. O município de Matões, entretanto, é um dos mais atrasados do Estado, um dos Municípios em que o índice de alfabetização é mais baixo; é, porém, pelo se vê, um dos Municípios no País em que o eleitor é mais esclarecido.
Esses resultados de Matões abrangem 18 Seções. Para mostrar à Casa que tudo é igual lerei o da última Seção, 18ª: Número de votos, 189. Vitorino Freire, 189; Sebastião Archer, 189; Joel Barbosa, 189; Osvaldo Campos, 189.
Por conseguinte, está vendo a Casa como se faz eleição no Maranhão. Assim como foi em Matões, foi na sede da Comarca, Parnarama, onde também não houve eleição. Tal como ocorreu na 36ª Zona, que compreende esses dois Municípios, assim foi na 34ª Zona, Comarca de Loreto."
Era assim, pois, a eleição nos tempos de nossos pais. Vergonha.

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